quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

PLANTIO DE IGREJAS E COMUNICAÇÃO TRANSCULTURAL

Entendendo o mundo invisível

Introdução

Observando grupos animistas e suas sociedades ao redor do mundo vemos que a religião está na raíz de cada cultura como um fator determinante dos princípios da vida. Sem exageros poderíamos afirmar que, na cosmovisão animista, religião é vida e vida é religião. De forma simples poderíamos definir Animistas como um povo no qual, em todas as coisas, é religioso.

Estudando alguns grupos animistas já alcançados pelo evangelho com diferentes níveis de influência cristã comecei a entender que em muitas situações há um abismo de conceitos, interpretações e valores entre os conceitos cristãos e a forma tribal de entender religião gerando assim altas barreiras para o amadurecimento e crescimento da igreja. Uikiid, um cristão em Gana vindo de um contexto animista uma vez disse: “Nós não decidimos fazer parte da nossa religião tribal (fetichismo); nós simplesmente somos parte dela. Nossa tribo não seria uma tribo sem nossa religiãol”. H. Stuart, um antropólogo inglês, afirmou que “por muitos anos observei que crentes africanos vindo de contextos animistas entendiam os princípios cristãos somente quando estavam fora da influência tribal. Voltando para suas aldeias tornavam-se animistas de novo”.

É necessário entender que a mensagem do evangelho não é uma proposta importada para a cultura alvo nem mesmo um diálogo aberto onde valores bíblicos são negociados. É portanto uma resposta (supra cultural mas culturalmente aplicável) de Deus para homens de todas as culturas em todas as gerações, respondendo as questões mais profundas de cada coração.

Assim sendo torna-se profundamente importante percebermos quais são as ‘perguntas’ que desafiam a sociedade alvo antes de começarmos a expor as respostas. 

Tradicionalmente o trabalho missionário envolve trazer o evangelho como um pacote fechado que deve ser entendido em seu contexto original. Entretanto, sem conhecer as questões que atormentam e desafiam a cultura alvo torna-se impossível abordar as áreas de tensão na cosmovisão animista especialmente quando tratamos de uma sociedade onde a base do princípio da vida está na possibilidade de resolver problemas diários. O resultado de uma apresentação do evangelho sem pré análise cultural tem sido ao longo da história o sincretismo religioso ou a simples falta de entendimento do evangelho, resultando em afirmações como a de Uikiid e H. Stuart acima.

No sincretismo religioso, Animismo e Cristianismo dividem o mesmo universo. E sabemos que o sincretismo religioso é o declínio da influência missionária onde a possibilidade de apresentação de um evangelho bíblico torna-se uma tarefa dantesca por pelo menos duas ou três gerações.

Na falta de entendimento do sentido do evangelho, por outro lado, cria-se uma Igreja imatura que dificilmente experimentará um crescimento normal não sendo capaz de transmitir o evangelho de forma que faça sentido ao restante do grupo. Um dos grandes desafios que temos perante nós hoje é aprender com o nosso passado e pregar um evangelho que faça sentido na sociedade.

Creio que, na tentativa de avaliar o impacto do evangelho em um grupo que vive em contexto animista, há três principais questões que deveríamos tentar responder:

1. Eles percebem o evangelho como sendo uma mensagem relevante em seu próprio universo ?
2. Eles entendem os princípios cristãos em relação à cosmovisão tribal ?
3. Eles aplicam os valores do evangelho como respostas para os seus conflitos de vida ?

Para analizar parte do problema primeiramente nós precisamos entender que uma sociedade animista possui, em níveis diferentes, vive sob um conceito integral, natural e contrapuntual de religião. E quando o evangelho for apresentado haverá uma grande expectativa de vê-lo promovendo soluções e respostas para estas áreas de conflitos vitais. A falha em propô-lo como resposta existencial resultará em sincretismo ou rejeição.

1. Uma cosmovisão Integral requer um evangelho que trate tanto do céu quanto da terra.

No universo Animista o religioso não se distingue do não religioso; o sagrado do secular; o espiritual do material; o corpo da alma. Religião é parte de toda expressão da vida. Seja comendo, trabalhando, lutando ou descansando a cosmovisão religiosa está presente portanto o universo Animista é um universo integral e não dicotômico.

Nascer em uma sociedade animista tradicional significa tomar parte em todos os rituais e cerimônias que integram as crenças e valores os quais provam não haver ali ateístas. Religião é essencialmente parte da vida. Todas as ações, fatos, eventos e fenômenos possuem um sentido religioso ou são definidos dentro de uma cosmovisão religiosa.

“Animismo”, derivado do Latim “anima” que significa “respirar” está associado à idéia de alma ou espírito que está presente em todas as coisas “animando” o mundo e universo. Assim árvores, rochas, terra e água podem ser vistos como elementos controlados por espíritos onde o visível e invisível se misturam. Crê-se que espíritos podem possuir certos objetos e torná-los suas habitações e através disto exercer influência sobre uma pessoa, família, grupo ou toda uma geração.

Isto primeiramente significa que estamos tratando de uma cosmovisão com valores definidos. Em segundo lugar, esta cosmovisão consiste na mistura de forças visíveis e invisíveis que se relacionam entre si. 

Um outro valor central na cosmovisão animista é a religião como um elemento utilitário na sociedade. Estudando as orações dirigidas a espíritos, ancestrais e deuses em cerimônias tradicionais vemos que a maior parte dos pedidos são por bênçãos como fertilidade, saúde, paz, cura, longevidade e vitalidade. Não salvação. Normalmente cerimônias, sacrifícios e orações na cosmovisão animista são a arte de usar poderes sobrenaturais para promover o bem estar humano. Note que religião aqui torna-se mais utilitária e prática do que teológica, uma forma de união entre Deus e homem.

Tenho percebido que cursos para liderança cristã provinda de um contexto animista tem um grande impacto em suas vidas quando princípios bíblicos são aplicados para guiar o povo através dos conflitos diários. Um homem Chokossi uma vez falou-me: “vocês cristãos precisam aprender como falar mais acerca dos efeitos da salvação enquanto estamos vivos, pois já sabemos que no céu será tudo maravilhoso”. O primeiro resultado de uma comunicação não integral do evangelho para uma sociedade animista é que o impacto do mesmo será minimizado. E isto é perigoso, pois gera igrejas imaturas.



2. Um mundo Natural necessita mais do que uma apresentação lógica e apologética do evangelho para entender o plano de salvação de Deus 

Animistas não se baseiam em um sistema organizado de doutrinas e teologia, o que evidencia a falta de uma teologia sistemática entre eles. Baseiam-se totalmente na experiência. Não há uma pessoa específica dizendo ter recebido uma mensagem diretamente de Deus para guiar o povo em sua vida moral e espiritual. Há evidências apenas de mensagens recebidas em alguns grupos mas de forma tão esporádica que não formam uma base coerente de valores teológicos. É também impossível, no animismo, apontar-se para um específico homem ou data quando a religião foi fundada. A implicação desta realidade para a comunicação do evangelho é que qualquer tentativa apologética para convencer a sociedade que Cristo é o caminho para Deus não terá um efeito profundo no grupo pois a verdade para eles não se baseia em evidências históricas mas sim em experiências diárias de vida.

Em outras palavras, uma pessoa pertencente a um grupo animista observará muito mais as provas diárias no mundo visível que o Cristianismo lhe trás do que a lógica do seu conteúdo histórico. Se você diz: “Deus é bom” eles esperarão cura, prosperidade, fertilidade e longevidade mesmo sendo o seu conceito de “bondade” diferente.

Entre os Quechuas no Peru a Igreja quase naufragou quando a teologia da libertação se chocou com uma década de sofrimento e perseguição e muitos líderes foram mortos. Creio que Deus usou três líderes quechuas para avaliarem e aplicarem a Palavra nesta situação, respondendo as perguntas levantadas pelo povo.

Após isto nós pudemos ver uma Igreja que sobreviveu e se expandiu, mesmo durante a década de horror. Um hino quechua que ouvi durante um culto naquela época de medo e terror diz assim:
“Deus é grande e tem as respostas;
Mesmo quando está quieto, Deus é maior que o homem;
Quando o sofrimento vier nós oraremos e esperaremos;
Mesmo quando se cala; Deus é maior que a dor ”.

3. Um Animismo contrapuntual exige a manifestação não apenas das causas, mas também da fonte dos conflitos da vida

Precisamos entender que, na cosmovisão animista, causa e consequencia não são vistas dentro do conceito contrapuntual ocidental. Eles começam com uma situação que pede explicações, e talvez intervenção dos ancestrais ou espíritos relacionados. Esta situação pode ser individual ou comunitária como enfermidades, epidemias, infertilidade ou fome. Para eles estes problemas devem possuir não apenas causa, mas também fonte.

Se um ocidental tem pneumonia, normalmente a reação é tratá-la de acordo com a historia de medicamentos e estatísticas de cura. É visto como mais um caso de pneumonia. Na cosmovisão animista esta pneumonia será vista como um problema único. Nenhuma atitude será tomada antes que se saiba o “porquê” desta pessoa estar enfrentando tal situação. A fonte do problema é o fator mais importante e requer um estudo inicial feito normalmente pelos anciãos, curandeiro ou feiticeiro.

Em uma aldeia chamada Jimoni experimentei uma situação clássica quando um homem estava quase a morte devido a problemas do coração. Dirigi algumas horas até parar próximo ao rio Molan, atravessando-o em uma canoa, e chegando à aldeia na tentativa de convencer os anciãos a deixar-me levá-lo a um hospital fora da região tribal. O problema era sério e o homem perdera os sentidos. Eles se reuniram e passaram duas horas e meia tentando descobrir porque aquilo estava acontecendo. Falaram de problemas de relacionamento, palavras que ele havia dito e até mesmo circunstâncias anteriores ao seu nascimento. Finalmente um deles sugeriu que me permitissem levá-lo pois poderiam continuar a conversa mesmo na nossa ausência. Enquanto saíamos carregando aquele enfermo vi pessoas sentadas e quietas por todo o canto, e todos eles procuravam o “porquê”.

Este é um dos motivos pelos quais, em contexto de plantio de igreja entre grupos animistas, precisamos apresentar de forma clara e direta a teologia soteriológica a partir da queda, com forte exposição do pecado humano, o sacrifício do Cordeiro Jesus e o perdão divino. Estando estas ‘fontes’claras em suas mentes e corações será bem mais fácil o entendimento da transformação humana e vida cristã.



Conclusão – Aplicando a teolgia bíblica no mundo animista

Nossa preocupação até o momento tem sido evitar que Jesus Cristo seja apresentado apenas como uma resposta para as perguntas que os missionários fazem – uma solução apenas para o mundo externo.

Tippett enfatiza que “quando um povo tribal em uma certa comunidade passa a ver Jesus como um Senhor pessoal, e não um Cristo estrangeiro; quando eles agem de acordo com valores cristãos aplicados à própria cultura vivendo um evangelho que faz sentido à sua cosmovisão; quando eles adoram ao Senhor de acordo com critérios que eles entendem... então nós teremos ali uma igreja entre eles ”.

Contextualizar o evangelho é traduzi-lo de tal forma que o senhorio de Cristo não será apenas um princípio abstrato ou mera doutrina importada, mas sim um fator determinante de vida em toda sua dimensão e critério básico em relação aos valores culturais que formam a substância com a qual avaliamos o existir humano.

Para que isto aconteça é necessário observar alguns critérios para a comunicação do evangelho:

1. Toda comunicação do evangelho dever ser baseada nos princípios bíblicos não sendo negociada pelos pressupostos culturais das culturas doadoras e receptoras do mesmo. Entendo que a Palavra de Deus é tanto transculturalmente aplicável quanto supraculturalmente evidente. É portanto suficiente para todo homem em todas as culturas e gerações.

2. A comunicação transcultural do evangelho dever ter como objetivo final ver a Igreja de Jesus plantada de forma autóctone, com capacidade própria para expansão e amadurecimento. O treinamento de uma comunidade autóctone deve, portanto, estar na mente do movimento missionário antes mesmo da sua chegada.

3. A comunicação transcultural do evangelho deve ser uma atividade realizada a partir da observação, estudo, aplicação e constante reavaliação da mensagem que está sendo comunicada. O objetivo desta constante vigilância é propor um evangelho que possa ser traduzido culturalmente fazendo sentido também para a rotina da vida. É necessário fazer o povo perceber que Deus fala a sua língua. 

Fazendo isto esperamos apresentar Cristo como resposta para as questões da vida no universo animista. Um Cristo que seja solução, também, para seu mundo.

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